"Portugal Olé", Violinhos em
Itália
Por POR
JOANA GORJÃO HENRIQUES, em Montecatini, Florença
Domingo, 18 de Julho de 2004
Tocaram Bach, Vivaldi ou Schumann junto aos frescos de Giotto na
Basílica de São Francisco, em Assis, com padres ortodoxos a
levantarem-se para lhes tirar fotografias. Tiveram uma claque
entusiasta em Greve, com bravos e palmas dos pais e amigos a
transformarem o concerto numa festa. E pelas ruas de Florença, Pisa
ou Lucca cantaram o hino nacional e entoaram "Portugal, olé!".
Durante uma semana, de 11 a 16 de Julho, 40 intérpretes (dos
sete aos 17 anos) da orquestra Os Violinhos andaram em digressão
por Itália, acompanhados pelos pais, mães, irmãos, avós ou amigos
que aproveitaram para umas férias em família, formando um grupo de
cerca de 100 pessoas.
A digressão teve direito a uma maratona de visitas a algumas das
cidades mais importantes da região, além daquelas onde a orquestra
actuou: Siena, S. Gimigniano, Pisa, Lucca e Veneza. Com base em
Montecatini, perto de Florença, onde também houve concerto nas
Termas Tettuccio, a orquestra foi partindo diariamente para as
várias cidades onde actuaram (Florença, Greve, Assis, Arezzo)
perante plateias de italianos e turistas espantados com o "tamanho"
dos violinistas, que interpretam peças de E. Severn, Bach, Vivaldi,
Haendel, Schumman, H.Arlen, dirigidos por Filipa Poêjo.
O alinhamento, igual para todos os concertos à excepção dos
solistas (cinco), foi desenhado de acordo com o grau de
complexidade das peças: da mais difícil, interpretada pelos alunos
mais avançados, à mais fácil, quando se juntaram adolescentes e
crianças no palco.
Em igrejas e praças ao ar livre, em ambientes mais místicos e
noutros mais festivos, os concertos em Itália, sempre com o mesmo
repertório, foram mudando de acordo com o sítio. Em Greve, o
ambiente quase se transformou em concerto pop: perante as conversas
de pequenos grupos de italianos nesta praça com cafés e
restaurantes, os familiares e amigos dos violinistas decidiram
fazer claque e houve mesmo um "encore" com acompanhamento de
palmas. Até um sino tocou durante o solo de João Andrade, 16 anos,
enquanto interpretava uma peça de Seitz (mas, "por mais estranho
que pareça", diz o próprio, não ouviu nenhuma das badaladas).
O oposto do concerto na Basílica Superior de São Francisco, onde
Os Violinhos tocaram dois dias depois - um lugar "mágico", que
"inspira", dizia Pedro Alves, 17, que nessa noite tocou a solo,
como Manuel Abecassis, sete anos. Registos deste concerto (e de
toda a digressão) não vão faltar : pais, mães, amigos ocuparam as
filas laterais para registar em vídeo e fotografia o momento. Até
um padre ortodoxo se levantou para tirar uma fotografia.
Futuros violinistas?
Actuaram como profissionais mas nesta orquestra peculiar - 120
elementos, alguns com três anos, mas a Itália só vieram os
intérpretes a partir dos sete anos e os que estão em grau mais
avançado - nem todos se sentem violinistas.
O objectivo de Os Violinhos, uma escola onde a realização de
concertos faz parte da aprendizagem, "não é formar violinistas",
diz Filipa Poêjo, "mas fazer dos alunos melhores seres humanos e
mais cultos".
Basta ir vê-los antes dos concertos para constatar que até os
mais pequenos levam a tarefa a sério ao mesmo tempo que não deixam
de ser crianças. Há exactamente uma semana, na Igreja de Santo
Stefano al ponte, Florença, lá estavam eles, minutos antes do
concerto: pais a ajudar os mais pequenos a vestirem-se, meninas dos
seus 10 anos penteando outras meninas, rapazes que deixavam a
gravata pelo caminho até que depois se iam juntando em pequenos
grupos, ensaiando algumas das músicas que iriam interpretar nessa
noite. Maria Viseu, 13 anos, que actuou a solo na última noite em
Arezzo, na Praça S. Domenico, confessa que não quer ser
"violinista". Mas tocar nesta orquestra onde está desde a sua
criação é, no entanto, essencial: "Dá-me muita estabilidade. Tenho
a certeza que não vai mudar, é um grupo tão consistente..."
João Andrade e Pedro Alves sublinham o espírito de equipa ao
dizerem que quando tocam a sós não se sentem "solistas" mas
"representantes do grupo".
Para Hugo Bastos, 17 anos, na orquestra desde a sua criação, "o
modo de tocar em Itália é igual ao de tocar em Portugal." O que
muda? "É o ambiente que nos envolve e a responsabilidade".
Embore reconheça que o percurso é difícil, Hugo Bastos quer
compatibilizar um curso de Agronomia com o violino e o "sonho" é
ser solista. "Ou se tem talento ou se fica entre mais 100, 200".
Pedro Alves acrescenta: "Há miúdos que começam aos três anos.
Quando tiverem a nossa idade já têm muito mais técnica. Uma coisa é
estarmos nos Violinhos, outra é estarmos sozinhos." Novamente Hugo:
"Temos a noção disso, estamos aqui pelos Violinhos não pelo talento
de cada um." João Andrade: ""Há que distinguir entre um solista que
toca a solo e o que toca numa orquestra. Também podemos optar por
passar os conhecimentos". Mas os três dizem: "Não imagino a minha
vida sem o violino".
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